Filé acompanhado de uma graduação mínima de 13%

Pede socorro no máximo da auto-suficiência, lamenta mentir a verdade que sente. Pudesse falhar no controle dos gritos que o peito, o ventre, a pelve sufoca, seria mais fraco, mais fácil, mais leve. Mais dependente e verdadeiro: aos olhos do mundo. Patético perdedor, sim.
Aborto palavras em gritos anuladores do valor radiante que apenas a intimidade permite. Libertador seria perder o domínio. No entanto, de modo a gritar inaudivelmente. Não tenho o desejo das palavras belas, queria apenas encerrar com tudo e deixar que todos os sorrisos de hoje continuem sem interferência.
  Corre um rasgo internamente que cicatriza a medida que ascende pelas entranhas púrpuras para depois realizar a viagem contrária e lembrar que, quanto mais fundo, mais real. O grito deve ser corpóreo, desprovido de sentido óbvio. Não quero interpretações.
  O corte é fundo e jorra crônico, mas excessivamente lento para que justifique a poça de vinho, acompanhante da carne tenra. O silêncio é ensurdecedor e a manifestação está presa em uma câmara de gás, morrendo lentamente sem perceber.
Guardiã

Quando eu me desfizer de toda ânsia com bela cobertura, da seguridade das paredes de mosaicos coloridos e já delineados milímetro a milímetro na mente calma, poderei então exigir tua promessa de seguir o salto no vácuo deixado por meu corpo no ar, na terra, no mar, na imatéria de qualquer criação quântica.

Guardiã
És capaz de fechar os olhos e sentir na memória do corpo um momento em que ele extasiava energia e te sublimava?
Meu corpo tem cravada a lembrança última: entre paredões rochosos imponentes.

Ele fluía num espaço vácuo. Quero outras mais frescas.
Larga o corpo, apaga a luz e qualquer auto-controle...

Regressar à gênese das necessidades é o que dá sabor, mas boicota o cérebro que reina sobre as vozes das falanges.

Guardiã

Socorra o que o teu abraço envolve. Permaneça julgando-me sã e capaz de subir à superfície sozinha. Somente esperas que exatamente assim aconteça.
Se tua mente deseja que tal suceda, assim até o fim irás receber minha permanência neste mundo que precisa da tua ajuda para continuar em rotação.
Intermináveis circulares acalentam tua alma cansada. Vai, busca prazer no que te convém.
Quando notares que pulei alto e do alto da ponte, acredita que planei em meu âmago e cheguei a sentir a melhor e mais pura sensação:
no tempo de segundos mais rápidos do teu metrônomo e mais abarrotados em meu corpo.
É claro que a liberdade dispensa asas!
Eu terei realizado o melhor por mim; e emanado a mais pura energia para um mundo carente.

Guardiã
Fotografia: Golden Gate Bridge

Em tempo

Incontidos, teus braços acolhem.
Colo, ventre, pernas, pés também.
Corpos em emaranhado perfeito: sensivelmente no toque alcançam o equilíbrio de êxtase e tranquilidade absoluta. Me falta neste momento.
E antes.
Despertastes algo bom em mim. Apraz-me o eco.
Eco feminino erótico liberto,
transitou pelo corpo como a habilitar-se ao prazer conjunto:
Esgotamento triste.

Acabe a época das flores, rogo.
Há tempo ainda de retomar o rumo errado.

Guardiã

Instante

Quando a vida é o tempo-espaço da morte e a morte é o tempo-espaço da vida:
Quem sabe que vive? Quem sabe que perambula pela eternidade?
Não serão morte e vida habitantes do mesmo tempo-espaço, exigindo que cada criatura decida, ou antes se dê conta, perceba, qual mundo habita?!
Impróprio de julgamento é o sujeito que espreita confuso, encantado, dormente, angustiado, sereno a morte chegar à cova de outra criatura demasiadamente bela para se afogar dentre a multidão de falsa humanidade.
Que espreita naturalmente e acompanha admirado o desfecho que queria para si, que queria sinceramente desviar do destino doutro - mas que não lhe pertence.
Limites tênues mentêm o socorro possível e se desfazem quando o tempo-espaço não precisa mais ser definido. Seja o que for, afinal, vida e morte libertou e recebeu:
De corpo e alma mortos (em vida ou em morte) surgiu o grito que se propõe libertador.

Guardiã

Sinergia

Tu sabes que contenho o gesto, o toque,
que liberto teu corpo, teu âmago.
Pensas ter medo do que desconheces em mim e da inexatidão que te ofereço - no entanto, tens medo é da surpresa que tem gênese em ti, do torpor pela ausência de regras, do reino de arquitetura imperfeita. Magnífica.
Envolta em meu mundo paralelo, vejo-te em sorrateiro afastamento. Andarilho de horizontes mil, tu somes à ressonância de qualquer chamado. Receberia-te com gestos e toques precisos, deleitaria meu corpo como que para dissolver-me entre teus poros e alcançar o mesmo centro prazenteiro.
Foges do impalpável, decides pela facilidade; entregou-me lembranças de boa noite e te embrenhastes entre os braços de um cais seguro. Justiça. De mim exiges outra lida hoje: a desistência bateu à minha porta; resistiu e atravessou diversos portões através de jardins que zelam pelos recantos mais belos daqui. A fortaleza sucumbe ao desinteresse aparente, o acaso engana o desejo, a descrença abala o amante, o cansaço desaquece o estímulo.
Reclusa, a dedicação preciosa cede à distância. A mente nega, conduz o corpo aos terrenos mais planos, recolhe o susto, retira o caos. Acabou-se o êxtase possível de um choque certeiro e pré-dito.
A mente nega o ímpeto. O corpo clama por vida que venha sorrindo prazer.

Guardiã
Almejo o valor deste pouco. Também um suspiro significado, a razão para esperar pelos próximos e continuar sentindo Nada. Imploro por ar intoxicante para saber que posso (ou não) encontrar o outro lado nesta ilha de lunáticos. Preciso da lupa; está difícil demais encontrar sinais que valham as feridas.
Guardiã

Entre os lençóis tramados com fios de aço, tenho a cabeça e o corpo como campo eletromagnético. Liberto o mundo dos poços ecoantes e dos limites inalcançáveis aos pés que anseiam por estabilidade. Deixo-me devorar entre sombras e campos condutores para que a fantasia do mundo sobreviva o quanto suportar. Descargas mortais revigoram meu corpo com suas correntes, preservam a tez intacta que guarda o eletrizante campo inaudível.

A fantasia terá de achar novo corpo
Contenho silentes muitas exigências de abandono, não afirmo a permanência
Não creio no valor da sobrevivência

Guardiã

(...) ensaio do incitamento, inconcluso! (...)

Crashshshhh...

Momentaneamente a respiração se fragmenta e a visão se opacifica.

...o som ecoa em suas entranhas num tempo ainda além, graças ao perene vazio residual. Distante da realidade insistente, vaga e macrodimensional, olha ao lado e percebe farelos jorrando em câmera lenta da boca do sujeito de dentes brancos e beiços rosados. Chegam às suas orelhas gritos desesperados; talvez indistinguíveis pedidos ou lamentos. Os pés, abalados pelo tremor de segundos antes, buscam o contato total com o chão. Os cílios alfativos se eriçam com um novo e desagradável odor.

Os episódios apnéicos e a visão espessa anunciam ao corpo a sua presença. Ou tentam.

Guardiã