Me afogo na fenda da falta de palavras enquanto o meu corpo desembaraça-se, parestésico. Exponho-me à austera energia na tentativa de que raios perpassem a carne e aqueçam o que definha impacientemente.
Fito: os degraus da escadaria conduzem à escuridão límpida - e eu desço internamente cada centímetro com o prazer de quem antevê uma paz tranquila.
O sol se impõe com claridade que cega: bate num escudo que, feito espelho, entre minha pele e o mundo, joga a energia para longe - e ela explode! Falta o toque e eu congelo com o consentimento do que deveria prever vida.
Ondulando, outro vem, quase primo irmão da energia que não emano, passa sobre a superfície da lagoa e provoca perturbações aquíferas, oscila as árvores e leva aos ares a matéria leve.
Vento que por mim passa rasteiro, ultrapassa a barreira espelhada, toca terminações nervosas e congela-as ainda mais!
Trapaceiro, não leva embora a alma morta. Abraça por completo cada célula à flor da pele e esquece de matar o que não congela em cristal e nem aquece: PERMANECE: parestésico!

Guardiã

Primero ato:
Um círculo de ar que, tão quente, eleva, mas envolve o corpo e faz o peso extremamente denso, e demais às vezes. Energia desproporcional para uma alma que desvenda tudo comedidamente!

Segundo ato:
Ela se habitua e começa a aceitar como se um sentimento tão direito; e gosta!

Guardiã
Imagem: Michael Kenna

Sente um ácaro corroer as fibras que mantêm aparente a paz diante dos raios que afagam com força latente e furiosa o tecido leve da alma - que paz é essa que salva do desamparo e mantém o corpo fiel ao devir?

Guardiã
Imagem: Michael Kenna

Foco


Ela não entende seu peso, por que sua forma esguia, o pensamento fluido, a mente calma, o pedido solto e descompromissado, ainda que puro e único, mesmo que confuso, reflitam assim disforme.
Ela não exige balança nem régua à tua chegada, acredita na tua máxima entrega quando te apresentas. Ela sabe das bagagens que tua alma traz, no entanto, deixa que tu decidas a hora de abraçar qualquer novo perfume.
O silêncio dela confundiu desejos e escondeu seu medo num fundo calmo de profundidade tola. Teu silêncio contou mentiras de sinceridade incorruptível.
Entre silêncios, seu corpo era pesado demais. De tão leve e cuidadosa no andar, o mínimo espaço de apoio concentrava toda energia do corpo. Ela não percebeu as rachaduras da face que tu sustentava e uma medíocre pluma descentralizou o mais puro já sentido.
Compreendê-la, ou ao menos aceitar sem medo seu aconchego, talvez requeira que tu prove seus óculos, vista seu corpo e, então, ande por onde há cor e por onde há nada; que te sente perante a infinita paisagem e deixe teu pensamento fluir. Permita-te observar, em ângulo guiado pela sensibilidade dela, o menor movimento à tua frente:
Olha com os sentidos

Guardiã
Descer lenta e silenciosamente pelos desfiladeiros mais verdes do meu interior. Não há seca, ou ela não atingiu as superfícies suburbanas da matéria. E não há ventos que arranquem a cobertura do corpo tão facilmente. O gosto é fresco e empurra para a verdade mais sensível e intragável.

Guardiã

Estranheza

Perda do Norte em meio a um continente gelado. Nasceram flores sobre o gelo e árvores secaram na floresta. Os pássaros semeiam os frutos e a terra é sertão. O sol brilha por entre núvens e o calor aquece o corpo exausto.

Aguardar pela certeza é mediocridade; se não bastasse, a irresolutibilidade dos planos traçados pela metade cativa e manipula a vontade. Novos brotos tocam as moléculas de ar e é claro que merecem total entrega da luz. A morte não vinga, deixa lembranças. Novos bastardos anunciam acalento, entretanto, resultam incompreensão no canto. Estranho sentimento em vinco na pele acentua tamanha tristeza, some e deixa rastros que se desfazem constantemente.

Guardiã

Do novo ano ou à pergunta: Tu diz essas coisas para eu ficar preocupado contigo?!

Foda-se!
Quem um dia quiser que sintam pena de si, já morreu há muito. É como pedir afirmação de valor quando já se caracteriza nula. Abominável o dia em que fingir fraqueza e não despertar para vestir a própria roupagem.
Fodam-se os teus votos de fim de ano: feliz todos os dias pra ti!
Não devo votos de felicidade pelo resto da eternidade.

Guardiã

Sobrevôo o meu compasso a procura de corpo tão material quanto o vácuo. Eu apalpo pensamentos que deslizam, como equilíbrio em musgo, para a incoerência.
Admito que detenho o leme e conduzo almas que se encaixam como cabeças de bengalas, uma a uma, numa fila ordenada pelo segundo que se acaba a cada oportunidade individual. Cabeças de bengalas asseguradas pelo andar do cronômetro, formando vagões de beleza. E tão intoxicados de leveza.
Bússula, constelação ou trilha férrea, minha mente brinca em projeção vertiginosa quando da escolha de qualquer rota.

Guardiã